Merrell Andes Mountain Sky Race 2025, minha aposentadoria das provas…

Menos de 5 meses após minha participação na Andes Mountain Marathon, meu primeiro DNF, fiz a inscrição para a edição de 2025, que desta vez seria uma Sky Race com 34K e 3.250m D+, culminando na altitude de 5.424m do Cerro El Plomo, sendo uma etapa do Circuito Mundial de Skyrunning.
Tamanha era minha motivação para finalizar essa prova que foquei apenas nela. Não fiz nenhuma prova no período, não queria atrapalhar o excelente treinamento do treinador Carlos Eduardo. Cuidei da alimentação, reduzi meu peso, tomei suplementos vasodilatadores que ajudam na oxigenação, fiz fisioterapia pulmonar com PowerBreath HR+, e minha performance aumentou significativamente.
Chegando ao Chile, eu e o Murilo ficamos hospedados em Farellones, a 2.500m de altitude. Fizemos um treino de aclimatação a 4.000m e, com tudo isso, fiquei confiante de que dessa vez daria certo: passaria pelos cortes e alcançaria o cume.
Largamos às 6h, a 3.000m de altitude, com temperatura quase negativa. Estava me sentindo muito bem. Fiquei ali num pelotão intermediário, acompanhando e ultrapassando vários corredores locais. Pelos segmentos do Strava, fiquei na média top 28% nos primeiros 12 quilômetros de prova, até o Refúgio Federación, que alcancei com 2h50, o corte era de 4h.
Logo depois se inicia a temida subida ao Cerro El Plomo, onde no ano passado sofri com o mal da altitude. O próximo corte seria no Refúgio Agostini com 5h; cheguei com 4h12. Até esse ponto, acompanhava e era ultrapassado por chilenos que estavam comigo, sentindo moderadamente a altitude. Por fim, o terceiro e último corte: Pirca del Inca, com tempo limite de 6h, a 5.150m de altitude. Do Agostini até lá, o bicho pegou. As pernas ficam pesadas e leves ao mesmo tempo. Não é como uma fadiga muscular normal, pois você sabe que elas estão bem — elas apenas não respondem aos seus comandos. Cheguei ao corte com 6h21. Mesmo tendo melhorado meu tempo em relação ao ano passado, não foi suficiente.

Para vocês terem ideia, estou falando de apenas 3 km com pouco mais de 1.000 m de subida, que fiz em mais de 3 horas. A combinação de inclinação, altimetria e altitude é assustadora.
Quem é mais próximo de mim sabe que essa corrida, em especial, nunca foi sobre competição, e sim sobre as montanhas. Alcançar o cume do Cerro El Plomo é um sonho. Dessa vez, cheguei mais perto. Consegui inclusive avistar o outro glaciar que fica atrás dele.

No corte, a organização me deu a opção de continuar e ir até o cume, porém sem o suporte deles — por minha conta e risco. Da onde eu estava até o cume levaria pelo menos 2 horas, o que aumentaria muito meu tempo de exposição à altitude e seus efeitos. E ainda havia o retorno. Prezei pela minha segurança, pois sabia que a descida seria intensa.
Durante a subida, minha soft flask congelou diversas vezes. Eu ia beber água e ela não vinha. Também fiz a estreia dos meus crampons. A 5.000 m escorreguei numa trilha de gelo e quase rolei montanha abaixo. Funcionaram super bem! Talvez esse tenha sido um dos motivos de eu não ter passado no corte: estava com uma luva de neve, tirei, abri a mochila, coloquei os crampons… me deu uma cãibra no abdômen, pois eu estava sentado no meio da trilha, no gelo, apoiado com um pé numa pedra meio solta, torcendo para ela não rolar (comigo junto). Não sei quanto tempo perdi ali, mais de 10 minutos, certamente. O simples ato de comer é difícil: você está com o bastão engatado no punho, usando uma luva polar que tira todo o movimento dos dedos. Então, tinha que tirar os bastões e as luvas, pegar o alimento, abrir, comer e depois refazer todo o processo.

A altitude te deixa idiota. Quando cheguei à Pirca del Inca, tirei a luva polar e fiquei apenas com a luva base de merino. Guardei os bastões na mochila e comecei a descer. Não estava menos frio — fazia -10°C, mas o mal da montanha tira a percepção real de temperatura. E como eu iria me movimentar mais, o corpo geraria mais calor. Desci os 3 km no acarreo (pedras soltas) em pouco mais de uma hora. Caí de bunda no chão só 3 vezes — uma grande evolução em relação ao ano passado, quando caí umas 20! Também não me senti bêbado. Até falava comigo mesmo para ver se minha voz estava normal.
Ao chegar novamente no Refúgio Federación, de onde seguiria até a chegada por outro caminho, em meio ao vale, pensei: “A prova já era. Vou transformar isso aqui num treinão.” E desci a bota. Fui passando todo mundo. Só parava nas subidas. Indescritível a sensação de correr naquelas trilhas, dentro do vale, rodeado de montanhas altas. Alcancei o flow.

Faltando dois quilômetros para o final, alcancei o Murilo, que também melhorou seus tempos em relação ao ano passado e teve um baita rendimento. Fomos proseando até que, perto da chegada, ele falou para eu seguir. Cruzei a linha de chegada com 32,83 km, 2.893 m D+ em 10h34. Tive uma calorosa recepção do Guilherme e do Fred, dois brasileiros amigos do Murilo que moram em Santiago, gente finíssima. Fizeram a prova de 10K (que já é muito punk) e mandaram super bem. Parabéns, galera! Também conheci pessoalmente o nosso árbitro internacional de Sky, o mestre Fernando Henrique Felipe. O Fred levou um espumante que ele mesmo criou na Casa Libre Wines, e celebramos nossas conquistas a 3.000 m de altitude.

E a minha aposentadoria das provas é exatamente isso. Decidi me retirar das provas em alta montanha. É muito difícil, para nós que vivemos no Brasil, fazer um treinamento adequado para altitudes tão extremas. O Fernando sabiamente disse: a largada da prova já acontecia em altitude superior à da montanha mais alta que temos no Brasil (3.000 m). A montanha mais elevada acessível e com prova que temos é o Pico da Bandeira, com 2.890 m.
Levei um oxímetro e fizemos diversos experimentos. Nessa altitude, a saturação fica em 92%, e após um dia aclimatado, sobe para 95% — quase o normal. A 4.000 m, a minha ficou em 86% e depois subiu para 90%. Fiquei curioso para ver como estaria a 5.000 m, mas pela logística de mais um equipamento e ter que retirar a luva, acabei não levando o aparelho.
Meus agradecimentos à minha amada Fran, a melhor apoiadora que eu poderia ter; A Carbono Assessoria, com treinos que me surpreendem; ao Marcelo Nadovich, nos longos de fim de semana; e a Link Monitoramento, pelo incentivo e monitoramento em áreas remotas!

Espero que na próxima edição mais brasileiros participem dessa prova (e outras no Chile). No quesito financeiro, é uma prova muito acessível — por mais improvável que pareça, é mais barato ir fazer essa prova no Chile do que correr uma La Mision Brasil. A inscrição no primeiro lote custou o equivalente a R$ 240,00. Passagem de avião saindo de Curitiba: R$ 1.000,00 (ida e volta). Hospedagem e alimentação custam o mesmo que qualquer pousada/restaurante em Passa Quatro. São provas diferentes, é claro, entra a questão do gosto pessoal do corredor. No meu caso, depois de tantas provas no Brasil, prefiro correr fora, conhecendo novos locais, paisagens e pessoas.

E que venham as próximas provas — agora em montanhas mais baixas (talvez)! 🏔️
Extra:
10 FATOS CURIOSOS da @andesmountainskyrace
Que mostram o quanto essa prova é dura e mágica — a mais alta do circuito mundial da @skyrunning 🇨🇱🏔️
1️⃣ Aquecimento diferente:
Na largada, nada de corrida ou exercícios. A organização acendeu fogueiras e os atletas se reuniram ao redor delas. 🔥🪵
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2️⃣ Camadas e mais camadas:
Desde o início, corremos de jaqueta de plumas com mais 2 camadas por baixo. Ficamos com ela até o cume (e além). 🧥🥶
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3️⃣ Água congelada:
No km 12, a 4100m, foi o último abastecimento. Depois disso, a água das soft flasks congelou, assim como meu protetor labial e até a goiabinha! 🧊🍬
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4️⃣ Quase desistência:
Um dos atletas do top 10 contou que, aos 4600m, pensou em desistir por causa do frio, mesmo com energia pra continuar. ❄️😰
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5️⃣ Consciência alterada:
Muita gente não chegou com os 5 sentidos no cume… depois dos 4800m, a mente já não funciona direito. Eu mesmo tive pensamentos sem sentido. 🌀😵
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6️⃣ Staff no topo:
No cume (5434m), um membro da organização ficou mais de 7 horas lá em cima, garantindo a segurança dos atletas em meio a ventos e frio extremos. 🙌🏼🧊
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7️⃣ Dedos congelados:
Mesmo com luvas de alta montanha, os dedos de alguns atletas congelaram. Esse ano escapei, mas ano passado tive danos nos nervos de dois dedos. 🧤🧊
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8️⃣ Fotógrafo também sofre:
O fotógrafo da @skyrunning precisava correr de um lado pro outro pra não congelar. Teve dificuldade até pra apertar o botão da câmera com o dedo fora da luva! 📸👈🏼
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9️⃣ Cegueira temporária:
Um homem e uma mulher do top 10 sofreram fotoceratite, uma cegueira temporária causada pela luz intensa refletida na neve. Ficaram horas com a visão comprometida. 😵💫😢
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🔟 Tudo congelava:
Saiu mais catarro do que imaginávamos… e congelou. Congelou até a minha barba! 🤧🧊🧔🏼
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✨ BÔNUS:
Um atleta experiente da Europa comentou (de forma positiva!) que provavelmente lá uma prova nessas condições nem seria autorizada. 🥶💬

✨ BÔNUS2: Sobre a foto acima, eu e o Murilo ficamos num Hostel, preparamos a nossa janta e quando estavamos comendo, chega um grupo de corredores, esses caras são a elite do Skyrunning mundial, o ganhador da prova foi o Damien Humbert com 5h11m e o Fred Tranchand ficou em P4 com 5h16m. Batemos um baita papo, os caras são super gente fina, humildes e comunicativos. Foi muito legal participar de uma prova com grandes nomes e performances. A lenda Anastasia Rubtsova (P2 na corrida) ficou hospedada em nosso hostel, mas não cheguei a conhece-la, o Murilo sim, surreal essa integração.

TRN Trail Rank: 9,25 (saiba o que é isso)
Resultados da corrida: https://resultados.cronosur.cl/eventos/353? (só abre com VPN)
Site da organização: https://www.latitudsurexpedition.cl/
Galerias de fotos do evento: